A saída de Siem Reap, cidade onde ficam localizados os templos de Angkor Wat, para Phom Phem, capital do Camboja, foi por uma estrada muito ruim.
Para quem não lembra, Phom Phem é aquela cidade onde, cerca de 2 meses aträs, mais de 350 pessoas morreram pisoteadas ou afogadas em uma ponte, enquanto comemoraram um festival.
Segundo os locais, o tumulto começou porque muitas pessoas não sabiam que a ponte balançava mas não caía, ou seja, era uma ponte suspensa, e por isso começaram a correr, gerando o tumulto que matou tanta gente.
Chegando a Phom Phem, comecei a explorar a cidade e, como esperado, além de muita pobreza, não parecia haver nada de muito interessante. Apenas motoristas insistentes de moto e tuk-tuk, oferecendo seus serviços a cada cinco metros (sério, voce ouve ''Tuk-Tuk sirrrrrrr?'' umas 100 vezes por dia).
Apos oferecer os serviços de tuk-tuk e voce negar, é bastante comum o sujeito ainda tentar uma segunda venda, oferecida até mesmo com a presença próxima de policiais.
'Fuma Marijuana Sirrrrrrrrr?''
Voce responde não e vai caminhando. O vendedor continua.
''Cocaina? Fuma haxixe?'' Voce nega novamente, já ficando meio puto.
Até que finalmente, quando o cidadão ve que voce nao quer nada, e não vai parar, ele desiste da venda, mas nao sem antes fazer um comentário final clássico, que ouvi várias vezes durante a minha estada aqui em Phom Phem.
``Ah Sirrrrr, voce tem cara de quem fuma!``
Po, qual é a do cidadão? Será que é por causa da minha barba? Esses caras são muito folgados!
Entretanto, embora suas ruas tenham de ''interessante'' apenas pobreza e hilários vendedores de drogas, Phom Phem mantém até hoje relatos e locais intactos do regime comunista que assombrou o país na década de 70, e que são o motivo principal da visita de viajantes.
Como mencionei em um post anterior, lideradores por Pol Pot, membros de um grupo politico chamado Khmer Vermelho tomaram de assalto o país inteiro e, da noite para o dia, ordenaram que milhões de pessoas fossem para os campos trabalhar plantando arroz 18 horas por dia.
Em poucos dias, o Khmer Vermelho, apoiado pelo dedinho da China Comunista, aboliu o dinheiro, a propriedade privada, qualquer tipo de negócio, universidades, o budismo e qualquer forma de expressão artística.
Qualquer contestação ao regime era punida com morte, o que acontecia inclusive com os próprios membros do 'partido'.
Desnecessário dizer que a maior motivação da chegada destes doidos no poder foi a Guerra Fria, já que os EUA estavam a poucos quilometros dali atacando o Vietna, razao pela qual o Camboja deveria ser ``protegido`` contra os capitalistas.
Assim, o Khmer Vermelho, no poder e com o apoio desesperado de uma populaçao miserável e com medo, mandou todo mundo ir trabalhar nos campos, comendo junto, vivendo junto e trabalhando junto em nome da sociedade. Além disso, instituiu o Ano-Zero e renomeou o país para Democracia Kampuchea, buscando formar uma nova sociedade de pessoas puras.
O desprezo do Khmer Vermelho com qualquer vinculo com o passado ficava bem claro em um de seus slogans: “Mantê-lo não há ganhos, perdê-lo não há perdas” . Por várias vezes o lider Pol Pot deixou bem claro que o novo Camboja precisaria apenas de um milhão de pessoas, ao contrário das sete milhões que ainda restavam. O regime de Pol Pot é classificado como o maior genocídio já realizado ao seu próprio povo.
Triste, não é?
Mas mais triste ainda foi a visita aos locais onde o Khmer Vermelho tocava o terror, e que visitei na minha estada em Phom Phem. Assim como Stalin não seria nada sem seus gulags, e Fidel Castro sem seus paredóns, o Khmer Vermelho também precisava de uma máquina de terror.Prisão S-21
A prisão S-21 hoje é atraçao turistica em Phom Phem, mas um dia já foi uma simples escola, bem parecida com as que temos no Brasil. Como no período do Khmer Vermelho estudar era coisa de capitalista ianque, a escola foi transformada no principal centro de interrogatorios do partido, com vistas a encontrar os desertores da revolução.
Prisao S-21. Eram colocadas grades nos corredores para os presos não poderem se suicidar. |
Aqui uma pausa. Ja perceberam como esse negócio de revoluçao sempre vem acompanhado de perto pela palavra ditadura? Basta ver a Revoluçao Cubana, a Revolucao Chinesa e, aqui, a Revolucao promovida pelo Khmer Vermelho Portanto, cuidado sempre que encontrar um ''revolucionario''. Esses caras, além de normalmente pouco inteligentes, também são perigosos. Quer exemplos de verdadeiros revolucionários? Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela.... caras que não precisavam empregar necessariamente a força para fazer valer suas ideias, e ainda deixaram como legado uma melhoria significativa na vida de milhares de pessoas.
Mas enfim, voltando a prisao do Khmer Vermelho e seus comunistas. Assim que voce entra na prisao S-21, ja sente o clima do local. Aqui, das mais de 20.000 pessoas trazidas pelo regime, apenas 7 sobreviveram. Isso mesmo, 7, e simplesmente porque estes 7 prisioneiros eram muito bons em fotografia, por exemplo, ou tinham outra habilidade, o que ajudava o regime.
A escolha dos guardas desta terrivel prisão era feita principalmente pelo fator idade. Garotos trabalharam aqui em nome do regime, torturando prisioneiros até conseguiram obter alguma confissão. A maioria das pessoas não tinha qualquer ligação com a CIA ou outros órgãos, mas mesmo assim eram torturadas até confessarem alguma coisa, qualquer coisa, e serem mortas.
Em cada sala de tortura, a foto do ultimo prisioneiro encontrado ali. Nada bonito. |
Como diria uma das placas informativas na parede do museu S-21, Pol Pot transformou “os adolescentes que tinham corações puros e gentis em executores cheio de ódio capazes de matar os seus próprios parentes, amigos ou pais”.
Além dos guardas havia alguns “médicos” na prisão. Mas aonde achar médicos numa cidade em que todos os médicos ou foram executados ou fugiram? Pol Pot sempre arranja uma solução. Meninas eram “treinadas” num espaço de três a cinco meses e assim poderiam exercer o seu ofício de “médicas”. Por não haver remédios, tudo o que elas sabiam fazer eram alguns curativos e uns remédios caseiros a base de açúcar e água. Ainda assim, as “médicas” só eram chamadas quando alguém ficava inconsciente depois de tanto ser torturado. O serviço das “médicas” era cuidar para que eles não morressem e assim pudessem continuar a ser torturados até o momento de confessarem.
Por fim, na S-21 os prisioneiros ainda tinham de obedecer a uma serie de regras,absurdas que estao expostas na prisao para os turistas lerem. Segue abaixo a traduçao destas regras. Destaque para a número 6:
Regras de conduta da S-21. 1) Você deve responder de acordo com minhas perguntas - Não se vire/2) Não tente esconder os fatos criando pretextos para isso ou aquilo. Você está estritamente proibido em me contestar./3) Não seja tolo ou você será um capítulo que se atreve a contrariar a revolução/4) Você deve responder imediatamente minhas perguntas sem desperdiçar tempo em reflexão/5) Não me diga nada sobre suas imoralidades ou a essência da revolução/6) Se você receber chicotadas ou choques elétricos você não deve chorar/7) Não faça nada, sente-se e aguarde pelas minhas ordens. Se não existirem ordens, mantenha-se quieto. Quando eu perguntar alguma coisa para você, você deve responder imediatamente sem protestar/8 ) Não arrume pretextos sobre a ordem do Kromin Kampuchea para esconder seu segredo ou traidor/9) Se você não seguir as regras acima, você irá receber vários choques elétricos/10) Se você desobedecer qualquer ponto deste regulamento você irá receber dez chicotadas ou cinco choques elétricos.
Chocante.
Killing Fields:
Além da principal prisão do Khmer, visitei os campos de morte, para onde a maioria das pessoas contrarias ao regime eram levadas para, sem muita enrolaçao, levarem um tiro na nuca ou serem decapitadas com um facão.
''Monumento'' para as vitimas do Khmer Vermelho, cujas ossadas foram encontradas anos depois |
Ali, é possivel ver as covas, encontradas anos mais tarde, onde eram enterrados os corpos. Além disto, existe atualmente um monumento abrigando diversas destas caveiras, que também é apavorante.
Fazenda pacata? Que nada, aqui foram executadas milhares de pessoas! |
Visitando os campos de morte, um pensamento passa pela sua cabeça e vale perguntar. Após tanto sofrimento, será que o Camboja vive agora uma democracia? Será que depois do fim do Khmer Vermelho no poder as coisas melhoraram?
Para algumas pessoas com que conversei (de motoristas de tuk tuk a engenheiros cambojanos), sim.
Para qualquer ocidental que analise a coisa friamente, melhorou, mas ainda falta muito.
Ainda hoje, não se pode escrever qualquer artigo contrário aqui no Camboja, ou fazer contestacao ao Governo que, embora pacífico, não tem oposição. O Governo é representado pelo Partido Popular do Camboja, que obviamente sempre ganha as eleições.
Assim, sem oposição e liberdade de imprensa, a democracia do Camboja é apenas uma fachada. Embora pacífico e centrado no crescimento economico, o seu governo está mais para uma calma ditadura de um partido só do que para uma democracia consensual.
Parece que o longo sofrimento do Camboja está longe de acabar.
Coisas interessantes (e boas) da capital do Camboja:
Mas ok, é época de Natal, então vamos mudar radicalmente este post para falar de algumas coisas BOAS que encontrei em Phom Phem. Apesar dos motoristas sempre quererem te sacanear, as pessoais são muito sorridentes e simpáticas, como que querendo esquecer o passado cruel.
Abaixo, algumas fotos da minha estadia em Phom Phem, inclusive da visita a uma vila flutuante do Camboja, onde milhares de pessoas moram sobre as aguas.
O único jipe que vi na Ásia! Essa vai para o pessoal do Joinville 4x4! |
É engraçado ver os monges budistas cruzarem a cinzenta Phom Phem com suas roupas laranjas |
Por do sol em uma das vilas flutuantes do Camboja, onde milhares de pessoas vivem em casas sobre a agua. |
Criançada em uma escola que visitei nas vilas flutuantes. Vivem ali e estudam ali, sempre sobre as aguas. |
É isto! Este é meu ultimo post antes do Natal, então desejo a todos os leitores um FELIZ NATAL repleto de muita alegria e felicidade!
Um forte abraço, até o próximo post!